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Óleo de canabidiol é utilizado para tratar dermatite atópica canina no HVU da UFSM

Fotografia horizontal de duas pessoas à esquerda. Uma das pessoas na foto é Carollina, que está ao lado esquerdo. Ela é uma mulher branca, loira e usa um jaleco branco com o brasão da UFSM na manga. Há outra pessoa na foto, Saulo. Ele está no centro. Saulo é um homem branco, tem cabelo curto e marrom; usa um jaleco branco. Na frente dos dois tem um cachorro de pelagem branco no peito e marrom na face e orelhas, o animal recebe uma dose do medicamento à base de cannabis. O cenário é de uma sala com as paredes brancas e uma janela ao lado direito da foto. A janela está aberta e entra luz solar.
Carollina e Saulo mostram como é a aplicação nos pets

O gato Gregório morreu no ano de 2018 em decorrência da Doença de Cröhn, que pode ser tratada com substâncias da cannabis. Na época, a tutora Carollina Mariga não tinha conhecimento do medicamento. A perda do seu animal motivou a futura mestre em Medicina Veterinária a utilizar o espaço da UFSM para auxiliar famílias que, assim como a dela, estavam dispostas a buscar alternativas de tratamento para o bem-estar dos pets. 

Foi assim que, de forma inédita, o óleo de canabidiol começou a ser aplicado em cães com dermatite atópica canina no Hospital Veterinário Universitário (HVU) de Santa Maria. A iniciativa é parte do projeto de mestrado de Carollina. Esta doença, embora não seja fatal, causa coceira excessiva na pele, o que faz com que os cachorros se machuquem ao se coçarem constantemente. A cannabis é uma alternativa para aliviar os sintomas, já que a doença não tem cura. 

“Nosso objetivo é usar os efeitos antiinflamatórios presentes no óleo para aliviar a coceira que os cachorros têm. Isso porque o tratamento tradicional dessa doença são medicamentos caros e com grandes efeitos colaterais”, explicou Saulo Tadeu Filho, docente do curso de Medicina Veterinária e orientador da pesquisa. 

O óleo foi doado por instituições nacionais e o processo de testagens iniciou em agosto de 2022. Ainda segundo o professor, se a Universidade não disponibilizasse o medicamento de forma gratuita por meio do projeto, ele não seria acessível para parte da população. Além de um tratamento que é para a vida toda, cada frasco da substância custa cerca de R$ 300,00. 

Logo após as tramitações para se adquirir legalmente o óleo pela UFSM, as testagens foram iniciadas em pacientes do HVU que já tinham a doença diagnosticada. Os tutores recebiam os frascos do hospital e medicavam os animais em casa. Foram 14 cães participantes – incluindo o grupo controle (parte do grupo experimental que não recebe o tratamento. Serve como base de comparação aos pacientes que receberam e é uma tática crucial para pesquisas de testes, como os recentes testes das vacinas). Entre as raças, estão labradores, sem raça definida, dachshund (salsichinha), e em grande maioria, shih-tzus. 

O óleo utilizado contém 1.500mg de CBD (canabidiol) e 72mg de THC (tetrahidrocanabinol, principal substância psicoativa) num frasco de 30ml. A dose estipulada para a pesquisa foi de 2,5mg/kg para cada cão. O óleo cobriu o período de tratamento estipulado no projeto. Mas, quem teve interesse em seguir com a medicação, pôde adquirir por associação, mediante prescrição veterinária.

 

Fotografia vertical de um cão da raça golden. Ele tem o pelo denso e amarelado. Ele está de costas para a câmera, de língua para fora e olhando para o lado. Está em um campo, deitado em uma manta colorida.
Woody, cão de Jéssica e participante do projeto (Foto: Jéssica dos Santos Ribeiro/Arquivo pessoal)

Primeiros resultados e desafios

Apesar de a análise laboratorial não apresentar grandes resultados na pele dos animais, a mudança na prática é expressiva: muitos cães melhoraram com o tratamento, outros estabilizaram. “A gente teve os mais variados resultados, assim como é a terapia canábica. Cada um vai responder de uma forma. Tivemos animais que passaram o primeiro verão sem crise, os que ainda estão em terapia, mas já melhoraram, e outros que não responderam ao tratamento”, comenta Carollina Mariga.

A melhora já foi observada pela tutora do Woody, um golden retriever que iniciou o tratamento recentemente. O caso dele foi diferente, pois participou do projeto como grupo controle. Jéssica dos Santos Ribeiro seguiu com a equipe para o processo de uso do verdadeiro óleo e reajuste das doses para o animal. 

O cão tem um caso grave de coceiras e utiliza outros medicamentos para conter as crises. “Ainda não chegamos na concentração ideal do canabidiol, mas percebemos uma redução na dose dos outros medicamentos, como o corticóide, que é necessário para ele sair de crises, quando acontecem. Hoje, ele precisa de metade da dose que ele usava antes”, comenta a tutora.

Diante dos resultados, alguns desafios foram identificados durante as etapas de trabalho. Os pesquisadores entenderam que outras variáveis influenciam nos resultados de melhora, como o ambiente em que o animal vive, a dedicação do tutor, a sua rotina, entre outros aspectos. Carollina, porém, explica que a pesquisa não pode exigir uma realidade utópica dos cães. “Mantivemos a realidade do animal e acrescentamos a cannabis para verificar somente a atuação dela. Obviamente que associar mais cuidados poderia ter uma melhora significativa, mas aí iria sair do escopo da pesquisa”, comenta.

Outro desafio foram as doses. Em um primeiro momento, a pesquisa se propôs a utilizar uma dose fixa, algo que já pensam em mudar no projeto de doutorado. “Tem pacientes que não respondem à primeira dose, mas a outras mais altas. E isso não fizemos, mas queremos. Variar a dose ou aumentar até um determinado patamar em que o paciente possa responder”, disse Saulo Tadeu. A próxima etapa muda também o componente do tratamento: agora as testagens serão com óleo de cannabis, e não mais canabidiol.

Cannabis x Canabidiol: A cannabis é a planta com todas suas substâncias e compostos. O canabidiol é uma das substâncias químicas encontradas na cannabis que constitui uma parte dos compostos da planta.

 

Quais os critérios para participar

A parceria entre pesquisadores e as instituições que disponibilizaram o óleo de cannabis rendeu produtos suficientes para a sequência da experimentação no doutorado da discente. Além disso, o uso de canabidiol para a dermatite atópica canina já está registrado como projeto na Universidade e a ideia é que cada vez mais pessoas se integrem na pesquisa.

A continuidade da ação possibilita que mais tutores levem seus animais de estimação a este tratamento. Atualmente o projeto não está recrutando novos cães, isso porque a etapa de mestrado foi concluída. Para a etapa de doutoramento, estima-se ampliar o acesso. Como a seleção para o projeto é feita pela própria lista de pacientes do HVU, tutores que têm interesse em cadastrar seus pets na pesquisa já podem agendar consulta.

Fotografia horizontal de uma pessoa. Centralizada na foto está Carollina. Ela é uma mulher branca, loira e usa um jaleco branco com o brasão da UFSM na manga. Carollina segura na mão esquerda um frasco de vidro marrom com detalhes azuis. Na mão direita Carollina segura um conta-gotas que está contendo o líquido amarelado. A parede ao fundo do cenário é branca.
Carollina e o frasco do óleo de canabidiol

O número de contato do Hospital é (55) 99161-7477. Ele fica localizado no Campus Sede da Universidade, prédio 97, após o Colégio Politécnico. Saulo, orientador do projeto, diz que a demanda é grande, pois a dermatite atópica é comum em cães. “Os animais cadastrados serão avaliados para saber se estão aptos a participar do estudo”, explica o professor. 

É a discente que seleciona os pets que entram. Para isso, alguns critérios são avaliados, entre eles: estar com dermatite atópica diagnosticada, controle de pulga e dieta hipoalergênica, estar com o dente limpo e não ser muito obeso. Além disso, é crucial que o tutor seja muito dedicado, pois é ele quem realiza o tratamento em casa e precisa estar em constante contato com a equipe do projeto para dar atualizações.

 

Estudos com cannabis tendem a crescer

Apesar dos benefícios já comprovados da cannabis, a venda dela e de substâncias derivadas não é legalizada no Brasil. Para conseguir este tipo de produto de forma excepcional, diversos documentos precisam ser autorizados com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Porém, a pesquisa com a cannabis é uma tendência nas universidades e nos centros médicos. 

Cada vez mais este medicamento é liberado por órgãos governamentais e os cientistas entendem os benefícios da planta para as áreas da saúde humana e animal. Conforme a Associação Brasileira da Indústria de Canabinóides, os pedidos de importação da cannabis medicinal aumentaram 110% em 2021, comparado com 2020.

“A gente sabe que ainda tem preconceito, o pessoal pensa na cannabis como ilícita. Não é essa parte, mas a medicinal e útil. Eu deixo como mensagem que os pesquisadores tentem trabalhar a cannabis, pois tem muito a explorar”, comentou o orientador. Apesar da reação negativa desta parte da sociedade, 79% das pessoas se declaram a favor do fornecimento gratuito de medicamentos feitos a partir da planta da maconha no Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o instituto de pesquisa DataSenado.

Apoiadores ou não, os tutores não demonstraram receio ao uso do óleo de canabidiol para auxiliar seus bichinhos. Os pesquisadores se alegram com o retorno e confiança no projeto: “A gente não teve nenhuma resistência de tutores aqui, realmente eles são muito ‘cabeça aberta’, o que a gente agradece muito”, diz Carollina. 

Ser pioneira nos testes clínicos do óleo de canabidiol em cães torna a Universidade referência em mais uma área da ciência e motiva que o estudo siga avançando em outros centros de ensino. Além disso, outros benefícios já são vistos, como instituições que manifestaram interesse em vínculos com a UFSM para parcerias no projeto, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

Fotografia horizontal de três pessoas centralizadas sorrindo. Uma delas, Carollina, está na ponta esquerda. Ela é uma mulher branca, loira e usa uma jaqueta azul. O segundo, Rafael, está no meio. Ele é um homem branco, com barba e cabelo curto marrom; usa uma camiseta com listras verticais. Ao lado dele, no canto direito, Saulo é um homem branco com cabelo curto e preto. Ele usa uma manta preta, jaqueta preta e blusão vermelho. Todos usam calças escuras. Na frente do trio, uma mesa com os óleos importados, dois expostos e os outros embalados. O cenário é de uma sala com plantas, com uma janela aberta atrás.
Carollina Mariga, Saulo Tadeu e Rafael Minuzzi na entrega do óleo (Foto: Setor de Importações/Arquivo)

Primeira importação de óleo de canabidiol na UFSM

Os resultados da pesquisa não seriam possíveis sem a contribuição do Setor de Importações da UFSM, que cuida de todas as tramitações legais para que itens sejam importados conforme a lei. O pedido também gerou um novo desafio para a equipe: por conta do projeto, no ano passado foi a primeira vez em que o óleo de canabidiol foi importado pela Universidade. Por se tratar de um produto sensível, as tramitações exigiram uma atenção dobrada.

Os cientistas fizeram questão de mencionar e elogiar a ajuda que tiveram para conseguir o principal produto da pesquisa. “Somos muito gratos a tudo que o setor fez para conseguirmos o óleo, porque tudo envolve muita burocracia e eles sempre se colocaram à disposição”, comentou o docente.

Em junho, a UFSM teve outra novidade no que tange à importação: a primeira do óleo de cannabis, doado por uma empresa do Arkansas, nos Estados Unidos. O processo iniciou ainda em 2022. Depois de uma grande demanda de autorizações, os produtos para o projeto de doutorado de Carollina chegaram.

“Foi necessária a emissão da autorização ao controle e guarda dos produtos e a autorização de importação junto à Anvisa. Ainda foi realizado o licenciamento de importação com a Receita Federal, que trata da anuência do órgão de controle e da autorização de embarque até o Brasil. Por fim, foi realizado o desembaraço aduaneiro em São Paulo e a entrega final na UFSM”, explicou Rafael Minuzzi, chefe do Setor de Importações.

Texto: Paula Appolinario e Gustavo Salin Nuh, estudantes de Jornalismo e estagiários da Agência de Notícias
Fotos: Gustavo Salin Nuh
Edição: Lucas Casali e Ricardo Bonfanti, jornalistas

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