Quando há denúncias de irregularidades a respeito de um servidor da UFSM, é acionado um órgão chamado Corregedoria. Investigações, apurações, entrevistas, checagens de informações, tudo isso compete à unidade. Com o resultado desses esforços, são os funcionários da Corregedoria que, caso necessário, abrem o Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o servidor acusado e acompanham seu andar, tudo para atender a denúncia. Esta, por sua vez, pode vir a partir da manifestação de outro órgão, a Ouvidoria, como encaminhamento da Auditoria, ou como consequência de denúncias diretamente aos diretores.
A Corregedoria também é responsável por celebrar os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), que consistem em um procedimento administrativo voltado para a resolução consensual dos conflitos. Esse procedimento é aplicável aos casos de infrações disciplinares de menor potencial ofensivo, conforme a Portaria Normativa CGU nº 27, de 11 de outubro de 2022, da Controladoria-Geral da União (CGU). Além disso, é responsável por emitir diversas certidões aos servidores, como a certidão negativa, dada quando o solicitante quer se aposentar, exonerar ou redistribuir para garantir que não há pendências disciplinares.
A Corregedoria da Universidade era outrora conhecida como COPSIA, a Comissão Permanente de Sindicância e Inquérito Administrativo. Até 2023, faltava uma regulamentação interna, o que a limitava a ser uma comissão permanente vinculada à Reitoria. Como fruto da iniciativa da Controladoria Geral da União (CGU) de organizar as estruturas disciplinares das instituições federais (e por iniciativa dos servidores da COPSIA), a Corregedoria da UFSM pôde, finalmente, concretizar-se enquanto órgão de controle interno. Na prática, nada mudou no trabalho realizado pelos servidores, já que a mudança foi no Regimento Geral da Instituição.
O percurso
A Corregedoria da UFSM conta com cerca de nove integrantes, sendo Josiane dos Santos Souza Borges, bacharel em Direito, a corregedora chefe. Dois dos servidores trabalham em uma secretaria responsável por receber as demandas e organizar os procedimentos, como questionamentos, consultas e registros. Importante ressaltar que todos os processos devem ser registrados em um sistema estabelecido pela CGU, o e-PAD.
Josiane traz à luz que muitos processos nem sequer são instaurados, por razão de a denúncia estar incompleta, tornando-a frágil. Por isso, frisa que quanto mais informações o denunciante fornecer, mesmo que de forma anônima, melhor será de identificar os elementos do proceder.
Em sequência, Josiane é encarregada da admissibilidade, ou seja, verificar se a denúncia possui elementos mínimos para abrir um processo acusatório. Essa etapa está relacionada com a Lei do Abuso de Autoridade (e com a responsabilidade do trabalho). A corregedora chefe explica: “também respondemos a essa lei criminal. Abrir um processo acusatório sem os mínimos elementos pode gerar um processo contra a administração, contra quem determinou a abertura”.
Se a denúncia ainda estiver muito precária, é encaminhada para as comissões dos centros de ensino e das unidades, as quais farão uma investigação preliminar e apurarão a veracidade do que foi relatado. Nesse fase, não há acusados. “Por exemplo, uma situação de professor que, na sala de aula, foi denunciado por alguém da turma, na aula de tal disciplina deste semestre. Então, vamos ao departamento, verifica-se quem é que dá essa aula, quem é que está matriculado naquela disciplina. Mesmo sendo denúncia anônima, conseguimos detectar pessoas para ouvir o que aconteceu e, se aconteceu, se foi aquele agente que causou”, compartilha Josiane.
Estrutura
Uma mudança recente na composição do órgão foi a criação de núcleo de apoio administrativo-financeiro orçamentário e de um núcleo de análise preliminar. Isso porque, quando um processo chegava na Corregedoria, vinha já pronto para ser instaurado ou arquivado por falta de elementos, sem possibilidade para o corregedor tratar melhor a demanda, conta a corregedora chefe.
Ela afirma que, com essa mudança, observa-se a situação de outro ângulo, o qual pode favorecer o TAC e um eventual processo administrativo. Através de mediações e conhecimento do caso, um novo direcionamento pode ser tomado. Logo, antes de haver uma investigação já existia o processo, agora, pode-se dar apoio. “A gente sempre teve esse olhar. Sempre tentamos minimizar o processo, porque realmente é um processo constrangedor, há muitos envolvidos, não é só o acusado, existe o denunciante também, que se expõe para denunciar”, explica Josiane.
Portanto, esse novo núcleo cuida melhor das demandas, uma necessidade que a Corregedoria já sentia e procurava aplicar nos casos. A corregedora chefe destaca a cautela como uma prática constante, visto que, por exemplo, há questões hierárquicas envolvidas, como um subordinado denunciando uma chefia.
O inquérito
A Corregedoria é vinculada ao Gabinete do Reitor, o que não significa que haja interferências, pelo contrário, este órgão de controle interno é independente. Ao se tratar de hierarquias, Josiane revela: quem pode abrir processo disciplinar no Brasil é o presidente da República, o qual dá essa atribuição aos ministros de Estado, como o do Ministério da Educação. Este, via portaria, delega a função aos reitores e diretores de instituições federais e universidades.
Dessa forma, na UFSM, o corregedor envia o parecer com o pedido de instauração de PAD para que o reitor, a autoridade instauradora, possa acatar ou não. Nesse parecer, há todo o material que justifica a instauração de apuração disciplinar. “O Gabinete nunca interviu nos processos, nunca fez qualquer interferência na condição deles. Eles julgam e podem ou não julgar, concordando com o parecer da comissão designada”, complementa Josiane.
Outra mudança nesse sistema é que, após o processo ser julgado, não cabe mais recurso a órgãos superiores. Antes do decreto 11.123, de 29 de julho de 2023, era possível recorrer ao Conselho Superior da Universidade. Todavia, isso não significa que a pessoa punida administrativamente está condenada permanentemente. Ela ainda pode enviar um pedido de reconsideração ao próprio reitor, para que este possa fazer uma reanálise do julgamento.
Diferenças com o sistema judiciário
Um mesmo caso pode ser tratado tanto dentro quanto fora da Universidade, pela polícia ou Ministério Público, mas são esferas diferentes. Nesses últimos, a vítima é a parte central do caso, e na Universidade, a administração pública que é. Por exemplo, um caso de assédio moral promovido por um chefe. Na Corregedoria, o processo é tratado na escala disciplinar. Já nos órgãos judiciários, a escala é penal ou civil.
Com isso, são dois sistemas independentes um do outro, esclarece a corregedora chefe. Na esfera judicial, a situação individual da vítima é a definidora do processo. Aqui, no órgão disciplinar da Universidade ou de qualquer outra instituição, o foco é a administração pública. Isso significa que aqui o agressor é referenciado enquanto servidor público e responsabilizado pelo que fez dentro e contra a administração pública.
No caso de assédio moral, continua Josiane, o inquérito pode ser sobre uma falta de moralidade administrativa, falta de urbanidade com o outro, dentre outros enquadramentos, conforme a Lei 8.112/90, a Lei dos Servidores Públicos Civis da União, das Autarquias e das Fundações Públicas Federais. Assim, na UFSM, “a vítima não é parte do processo. Na esfera judicial, sim. Lá pode-se cobrar um dano moral, denunciar por crime, e a punição será de acordo com o previsto na legislação penal. Aqui, não. As nossas punições são a advertência, suspensão e demissão do serviço público, pelo que o servidor fez enquanto servidor e não enquanto pessoa”, afirma a corregedora chefe.
Na esfera judicial, está sendo analisada a situação da denunciante, o que ela sentiu, o quanto ela foi prejudicada. Na corregedoria, é analisado o prejuízo gerado para a instituição, como dano à imagem, por exemplo. Também é considerado o prejuízo para o serviço público, como o afastamento e os danos psicológicos causados ao servidor denunciante, pois isso impacta em seu trabalho.
Vale mencionar que ocorre colaboração entre as duas esferas. Quando a Corregedoria está lidando com um crime, tem a obrigação de encaminhar o caso para o Ministério Público, mesmo que a denúncia não tenha sido feita lá, para que ele atue no espaço que lhe compete.
Outra associação com o Judiciário é em relação à prova emprestada. Isto ocorre quando as denúncias são feitas em ambas as esferas. “O nosso viés, o nosso olhar é diferente, mas o fato é o mesmo”, contextualiza Josiane. Nesse sentido, o corregedor pode pedir materiais emprestados, como provas, perícias, relatos das testemunhas. Bem como o Judiciário solicita à Corregedoria uma cópia do processo realizado aqui, para somar ao que é feito por eles. “Fazemos essa troca quando as denúncias são em ambas as cenas, mas caminham paralelas”, explica.
Quem pode ser acusado?
Segundo Josiane, apenas servidores com vínculo com a Instituição podem ser acusados em processo administrativo disciplinar, o que exclui servidores terceirizados. Os aposentados, apesar de não terem um vínculo ativo, ainda podem responder a processos administrativos. No entanto, neste caso a única pena que pode recair é a demissão do serviço público, quando sua aposentadoria é caçada.
Tocante aos alunos, eles são submetidos ao Código de Ética e Convivência Discente. Com isso, apesar de acompanhar, a Corregedoria não cuida desses processos, os quais ficam a cargo de unidades de ensino e pró-reitorias específicas, como a Pró-Reitoria de Graduação ou a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis, por exemplo.
Já quando acontece algo com um funcionário terceirizado, quem responde é a empresa contratante. São processos de responsabilização empresarial de pessoa jurídica, sem envolvimento da Corregedoria, mas sim da Pró-Reitoria de Administração, que faz a gestão de contratos. A partir disso, é analisada a responsabilidade da empresa por aquela conduta do funcionário.
Este texto compõe uma série de reportagens especiais sobre os três órgãos de controle interno da UFSM. Confira texto sobre a Auditoria Interna. Na próxima matéria será abordada a Ouvidoria.
Texto: Gabrielle Pillon, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias
Artes: Lucas Zanella, acadêmico de Desenho Industrial, estagiário
Foto interna: Arquivo pessoal
Foto de capa: Ana Alicia Flores, acadêmica de Desenho Industrial, bolsista
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista
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