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Janeiro lilás: a presença da comunidade trans no ensino superior brasileiro e na UFSM

O ensino superior, mesmo com os avanços significativos nas últimas décadas, ainda é um sonho distante para grande parte da população. Dados do Ministério da Educação (MEC) destacam que apenas 23% da população brasileira entre 25 e 34 anos conquistou o diploma universitário. Na pós-graduação, esse número é ainda menor, apenas 0,8% concluíram o mestrado e 0,2% alcançaram o título de doutorado, de acordo com a OCDE.
 
Se esses números já preocupam, os dados relacionados ao acesso, a permanência e a carreira acadêmica da comunidade trans, no Brasil, são ainda mais alarmantes. As adversidades têm início ainda na educação básica, de acordo com a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil. Em 2017, 82% das pessoas trans entre 14 e 18 anos abandonaram o ensino médio.
 
As dificuldades encontradas pela comunidade trans em concluir seus estudos e seguir no ambiente universitário se traduzem nos baixos índices de estudantes transsexuais e travestis nas universidades públicas brasileiras. Em 2018, uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) apontou que estudantes trans representavam apenas 0,2% das matrículas no ensino superior do Brasil.
 

No contexto da UFSM

 
O cenário dos cursos de graduação e de pós-graduação na UFSM não vai para além da estatística quando olhamos para a presença de estudantes transgêneros e travestis. De acordo com dados disponibilizados pela Coordenadoria de Oferta e Relacionamento (COFRE/UFSM), estima-se que a comunidade trans da UFSM seja de 0,3%. A maior parte desses estudantes estão vinculados aos cursos de graduação na instituição.
 
A estudante de licenciatura em Teatro Duane Castro da Rosa conta que escolheu a UFSM por ser a universidade federal mais próxima da sua cidade natal e por oferecer uma grande opções de cursos na área de Artes. A sua trajetória escolar, sendo egressa de um Instituto Federal, também motivou sua vinda à instituição.
 
“Escolhi a UFSM pensando que seria um lugar acolhedor. Vinda de outra instituição federal, sabia que ia ser uma universidade mais inclusiva e aberta, e que eu não passaria por um regime rígido de regras e por violências escancaradas. Caso isso acontecesse, seria repudiado pela própria instituição”, relata Duane.
 
Apesar de ressaltar que a UFSM tem buscado se tornar uma instituição mais segura e plural, citando a criação da Casa Verônica como referência, Duane destaca alguns pontos que a universidade deve priorizar para tornar o acesso e a permanência de estudantes trans no ensino superior mais inclusiva.
 
“Isso é um reflexo da sociedade, também. Os órgãos que combatem as opressões geralmente são mais fracos por não serem vistos como uma prioridade ou algo sério. A UFSM precisa garantir a efetiva utilização do nome social nos documentos institucionais, além de combater a transfobia e os argumentos transfóbicos que se manifestam em algumas práticas acadêmicas”, pontua.
 

Nome social: a conquista e a luta por reconhecimento

 
“A principal questão que percebo na UFSM, relacionada ao recorte da transgeneridade, é o uso do nome social. Isso gera problemas e revolta nos estudantes trans”, lembra Duane ao ser questionada sobre os pontos que a universidade precisa dedicar mais atenção para a construção de um ambiente acadêmico mais acolhedor.
 
“Às vezes, em alguns processos fora de sala de aula, não é possibilitado o uso do nome social. Mas ele precisa ser respeitado. Nos protocolos, é muito ruim ter o nome morto exposto, porque esse é um nome que a pessoa não usa mais”.
 
O uso do nome social no Brasil é assegurado desde 2010 em todo o território nacional. Na UFSM, a Resolução N.º 10/2015, que é resultado de uma construção coletiva, garante o uso do nome social para pessoas trans e travestis, abrangendo estudantes, servidoras/es e a comunidade que utiliza os serviços da Universidade.
 
Buscando tornar o uso do nome social mais reconhecido na UFSM e facilitar o acesso do direito assegurado nacionalmente, desde agosto de 2023, a Casa Verônica, em parceira com outros setores institucionais, desenvolve a campanha “Eu decidi me reconhecer”, produzindo materiais de comunicação focados nos processos necessários para o uso do nome decidido e para a importância do respeito na Universidade.
 
Além das peças de comunicação, outras conquistas também foram registradas nesse período. A partir de uma articulação com a Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progep), a UFSM passou a adotar um protocolo único para servidoras(es) que queiram requerir o nome social em seus documentos.
 
Juntamente com a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) e com o Observatório de Direitos Humanos (ODH), a Casa busca modificar a Resolução N. 010/2015 da UFSM, que estabelece os procedimentos para o uso do nome social, para que  a atualização dos documentos estudantis após a abertura do processo seja imediata.
 

Construindo alternativas para ampliar a presença de estudantes trans na UFSM

 
Buscando corrigir os baixos índices de estudantes trans e travestis no ensino superior, oferecendo suporte na superação das dificuldades para o ingresso e para a conclusão dos cursos de graduação e de pós-graduação, algumas universidades brasileiras vêm implementando políticas afirmativas em seus processos seletivos.
 
Neste ano, a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) passou a oferecer vagas suplementares em seus cursos de graduação destinadas exclusivamente às pessoas transgêneras e travestis. No primeiro processo seletivo desta natureza na instituição, a UFSM oferta 71 vagas em 55 cursos de graduação, em todos os campi da UFSM.
 
Na pós-graduação, a UFSM também incentiva os programas de especialização, mestrado e doutorado para que adotem políticas afirmativas em seus editais. Embora ainda não seja obrigatório aos programas a adesão de vagas afirmativas, pelo menos cinco cursos de mestrado e/ou doutorado já oferecem vagas específicas para a comunidade trans em seus processos seletivos.
 
Além disso, setores da UFSM, como a Casa Verônica, também contam com bolsas estudantis exclusivas para pessoas trans e travestis. A medida adotada busca ampliar a presença da comunidade nos setores institucionais e assegurar o acesso às políticas estudantis da universidade. A Casa ainda oferece um grupo terapêutico para pessoas trans na UFSM, com objetivo de fortalecer os laços de pertencimento à comunidade acadêmica. A ação faz parte dos serviços do espaço e é conduzida pela psicóloga Gabriela Quartiero.
 
Texto: Wellington Hack, jornalista da Casa Verônica da UFSM
 

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