Passado quase um ano das inundações que abalaram o Rio Grande do Sul e comoveram o Brasil inteiro, os seus impactos ainda são sentidos pela população gaúcha. No entanto, fora do Vale do Taquari, não são muitos os que se recordam da enchente de setembro de 2023, que havia sido considerada a maior dos últimos 150 anos naquela região. Em Lajeado, por causa dessa enchente (superada somente pela de 2024), a empresa STW Soluções em Automação teve de transferir sua sede para um local mais afastado do Rio Taquari. Em meio às catástrofes climáticas, a empresa veio a apostar em tecnologias sustentáveis, com destaque para o projeto de geração de energia elétrica em células a combustível, movidas a hidrogênio. Realizada em parceria com a UFSM, a proposta foi aprovada no edital Mais Inovação Brasil – Energias Renováveis, da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), obtendo subvenção econômica no valor R$ 14,96 milhões.
A proposta contemplada intitula-se “Unidade transportável modular de produção e armazenamento de H2 verde para redução de CO2 e geração de energia em atendimento a cargas críticas e oferta de energia sob demanda”. Diferentemente de um gerador convencional a diesel, o protótipo a ser projetado e fabricado – além de gerar energia elétrica sem emissão de poluentes – vai envolver também a produção, armazenamento e o transporte do hidrogênio.

Em razão dessas características, o protótipo será dividido em três módulos, cada um com tecnologia própria de gerenciamento e controle, “operando de forma descentralizada e comunicando-se com as outras etapas e com a central de gestão da estação”, informa a coordenadora do projeto na UFSM, professora Luciane Silva Neves, docente do Departamento de Eletromecânica e Sistemas de Potência.
Os professores Lucas Feksa Ramos, colega de departamento da coordenadora, e Frank Gonzatti, do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria (Ctism), também participarão do projeto, o qual será desenvolvido pelo Centro de Excelência em Energia e Sistemas de Potência (Ceesp). Durante o projeto, outros professores e alunos de graduação, mestrado e doutorado se unirão ao grupo para o seu desenvolvimento. Os recursos para as bolsas virão dos cerca de R$ 3,8 milhões que a universidade vai receber da Finep. Outra parte desse valor será investida nas instalações físicas para o desenvolvimento do protótipo, as quais incluem contêineres no Parque de Inovação, Ciência e Tecnologia – antigo parque de exposições da UFSM.
Além da UFSM, a STW conta com outro parceiro no projeto: o Cibiogás – Centro Internacional de Energias Renováveis. Localizada no parque tecnológico da usina Itaipu Binacional, essa instituição dedica-se ao “desenvolvimento do biogás como recurso energético limpo e competitivo”.
Cadeia do hidrogênio – Apesar de o hidrogênio ser o elemento químico mais abundante do universo, é necessário que a sua forma molecular (H2) seja obtida por meios sintéticos, por diversas maneiras, a partir de moléculas que o contêm. Atualmente, estima-se que cerca de três quartos do hidrogênio sintético produzido no mundo todo seja oriundo das indústrias de amônia e metanol e de refinarias de petróleo, a partir de um processo conhecido como reforma a vapor. Nesse processo, o hidrogênio é obtido por meio da quebra do metano (contido no gás natural) com água em alta pressão e temperatura.
A cadeia de hidrogênio envolve todos os processos, como produção, armazenamento, transporte e uso do hidrogênio. Conforme a sua origem, ele é classificado por cores distintas. Por exemplo, o hidrogênio obtido a partir de combustíveis fósseis (incluindo a reforma a vapor), com a liberação de dióxido de carbono (CO2), é denominado “hidrogênio cinza”. E, quando houver a captura do CO2, é denominado “hidrogênio azul”. O “hidrogênio verde” é aquele produzido principalmente pelo processo de eletrólise da água, a partir de energias renováveis, como a energia eólica e a solar.
O hidrogênio pode ser armazenado e transportado de diferentes formas, como gás pressurizado até 700 bar, na forma criogênica, em hidrocarbonetos sintéticos, hidretos químicos (como a amônia), hidretos metálicos e materiais porosos. O hidrogênio pode ser convertido em energia elétrica através de pilhas de células a combustível, as quais geram energia elétrica, calor e água através de uma reação eletroquímica.
Módulos – Visando à obtenção de hidrogênio verde para o desenvolvimento do projeto em questão, uma usina fotovoltaica com pico de 200 kW será instalada na sede da STW. A usina vai fornecer energia elétrica ao primeiro dos três módulos do protótipo. Essa primeira unidade consiste em um eletrolisador de 10 kW, com membrana de troca de prótons – tecnologia conhecida pela sigla PEM (proton exchange membrane).
Este tipo de eletrolisador está entre os mais modernos, podendo operar em uma larga faixa de variação da potência de entrada, além de possuir uma resposta mais rápida quando comparada a um do tipo alcalino. Como o seu próprio nome indica, o módulo realiza a eletrólise da água, quebrando as suas moléculas em átomos de hidrogênio e oxigênio, por meio da eletricidade.
O hidrogênio resultante do processo de eletrólise é pressurizado a 200 bar e armazenado em cilindros, os quais – no âmbito do projeto – se configuram como o segundo módulo do protótipo. O terceiro módulo é o gerador de energia elétrica. Este módulo consiste em uma pilha de célula de combustível do tipo PEM de 50 kW, operando em paralelo com um banco de baterias de íons de lítio.
Na célula de combustível, a energia elétrica é gerada pelo processo inverso ao da eletrólise; ou seja, por meio da queima do hidrogênio, obtendo-se vapor d’água como subproduto. Esta unidade poderá operar conectada (on-grid) e desconectada (off-grid) da rede elétrica, pois é equipada com um inversor híbrido.
Resultado esperado – Espera-se que o projeto resulte, ao final dos três anos previstos para a sua execução, no desenvolvimento de uma tecnologia que alcance o nível 7 de maturidade tecnológica (em uma escala de 1 a 9) na classificação conhecida pela sigla TRL (Technology Readiness Level). De acordo com a definição da Finep, esse nível corresponde à “demonstração de protótipo do sistema em ambiente operacional”.
“Este protótipo inova no campo das soluções para o suprimento energético renovável, com confiabilidade e eficácia para soluções emergenciais ou de serviços ancilares, devido à portabilidade e versatilidade do sistema, mitigando o impacto ao meio ambiente”, avalia a professora Luciane.
Texto: Lucas Casali
Arte gráfica: Daniel de Carli
0 Commentaires