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Grupo da UFSM tem projeto aprovado no mais caro telescópio terrestre já construído

“Bah!”, expressão tipicamente gaúcha usada para manifestar espanto ou admiração (entre outras situações), tem um significado adicional para o Grupo de Astrofísica da UFSM. O projeto BAH tirou as três letras que compõem o seu nome da frase em inglês Blowing Star Formation Away in Active Galactic Nuclei Hosts (“Suprimindo a formação estelar em galáxias com núcleos ativos”), usada como título em uma série de artigos que o grupo publicou em periódicos internacionais de prestígio nessa área. Após ter um projeto aprovado, em 2021, para o primeiro ciclo de observações do Telescópio Espacial James Webb (o qual foi lançado ao espaço no Natal daquele ano), o grupo atingiu recentemente mais um feito digno de espanto e admiração. Teve um projeto aprovado para o 12º ciclo de observações de um dos maiores telescópios do mundo: o observatório Alma (sigla para Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array).

O observatório Alma localiza-se no platô Chajnantor, na Cordilheira dos Andes [foto: A. Duro (ESO)]
Encravado na Cordilheira dos Andes, mais precisamente no platô Chajnantor, a uma altura de aproximadamente 5 mil metros, e em meio ao deserto mais árido do mundo (o Atacama), o observatório Alma está registrado no Guinnes Book como o mais caro telescópio terrestre já construído. Estima-se que o seu custo de produção pode ter chegado a até US$ 1,4 bilhão, em um projeto conjunto que envolveu 21 países – da América do Norte, Europa e leste da Ásia, além do Chile, país anfitrião. As suas primeiras imagens foram geradas em 2011, ainda com apenas 11 das 66 antenas que constituem o observatório.

O Alma é um gigantesco radiotelescópio, que combina os sinais captados por essas antenas metálicas redondas, as quais têm dois diâmetros diferentes: 54 delas medem 12 metros e as demais, 7 metros. De forma semelhante a antenas de aparelhos de rádio e TV, telefones celulares, radares e vários outros dispositivos (inclusive olhos de humanos e animais), os radiotelescópios captam sinais do espectro eletromagnético. Esses sinais consistem em ondas, que são usualmente agrupadas de acordo com o seu comprimento e frequência, bem como pela energia que emitem: alta energia (ultravioleta, raios X e raios gama), energia não tão alta (luz visível; ou seja, do violeta ao vermelho) e baixa energia (infravermelho, micro-ondas e ondas de rádio).

Por estar ficar em meio ao deserto mais árido do mundo (o Atacama), o Alma pode observar o céu sem a interferência de poluição visual [foto: B. Tafreshi (ESO)]
Como o seu próprio nome indica, o Alma é um telescópio construído com a finalidade de captar especialmente sinais de baixa energia – do espectro milimétrico e submilimétrico (milimiter/submilimiter array). O observatório está equipado para receber ondas com comprimento na faixa de 8,6 a 0,32 milímetros (ou 35 a 950 giga-hertz, em termos de frequência).

“A luz nesses comprimentos de onda milimétricos e submilimétricos vem de vastas nuvens frias no espaço, a temperaturas de somente algumas dúzias de graus acima do zero absoluto (-273,15 ºC), de algumas das mais antigas e mais distantes galáxias no nosso Universo. Astrônomos podem usar essa luz para estudar as condições químicas e físicas nessas nuvens moleculares, que são regiões densas de gás e poeira onde novas estrelas estão se formando. Essas regiões do Universo são frequentemente escuras e se mantêm escondidas da faixa visível da luz, mas elas brilham intensamente na parte milimétrica e submilimétrica do espectro”, conforme consta no texto de apresentação do Alma, em seu site.

Interferometria – A técnica de combinar com precisão os sinais recebidos por duas ou mais antenas é conhecida como interferometria. No caso do Alma, as suas antenas operam de forma sincronizada, com um grau de precisão que pode chegar a até um milionésimo de um milionésimo de segundo. Um supercomputador é responsável por correlacionar os dados recebidos. Pesando mais de 100 toneladas cada uma, as antenas também podem ser deslocadas para diferentes locais no platô, transporte que é realizado por caminhões projetados especialmente para essa tarefa.

Em 2019, o projeto EHT, do qual o observatório Alma faz parte, divulgou a primeira imagem já registrada de um buraco negro

No caso de um radiotelescópio constituído por somente uma antena, o grau de resolução das imagens que produz depende do diâmetro dessa antena – além da faixa de comprimento de onda em que opera. Na interferometria, quanto maior a distância entre as antenas, maior o seu nível de resolução. Como o Alma é um observatório composto por 66 antenas móveis, ele funciona como um interferômetro gigante, podendo operar como se fosse uma só antena colossal de 16 quilômetros de diâmetro.

A evolução da interferometria nos últimos anos possibilitou inclusive o surgimento de um telescópio de escala global, por meio do projeto Event Horizon Telescope (EHT), o qual combinou os sinais de oito grandes telescópios terrestres (incluindo o Alma), sincronizados por relógios atômicos, com o objetivo de registrar a primeira imagem de um buraco negro. Em abril de 2019, o EHT revelou que a empreitada foi bem-sucedida, ao exibir as imagens obtidas do buraco negro localizado no centro da galáxia Messier 87 (na Constelação de Virgem), a uma distância de 55 milhões de anos-luz da Terra.

Buracos negros – Um lugar de densidade infinita, onde as noções de tempo e espaço colapsam, que suga a matéria e energia ao redor. Em se tratando do objeto mais estranho e misterioso do Universo, não é de se espantar que, apesar de um buraco negro ser totalmente escuro, a sua “sombra” possa ser observada, devido ao contrate com a luz emitida pelo disco de acreção. No âmbito da astrofísica, é comumente aceito que os buracos negros são as “singularidades” gravitacionais (ou de espaço-tempo) previstas na teoria geral da relatividade, por Albert Einstein.

Ilustração artística de um buraco negro do tipo AGN, sigla em inglês para “núcleo galáctico ativo” (arte gráfica: Juan Carlos Algaba)

Em torno desse buraco de absoluto nada, entretanto, há uma espécie de fronteira (um ponto de não retorno) conhecido como “horizonte de eventos” – em inglês, event horizon, expressão da qual o EHT tirou o seu nome. No exterior dessa fronteira, forma-se o “disco de acreção”, constituído por uma acumulação de gás e poeira que gira em temperaturas e velocidades altíssimas. É esse redemoinho de matéria superaquecida que cria um contraste entre as áreas iluminadas e a região central. Parte dessa matéria será engolida pelo buraco negro e parte será ejetada.

Acredita-se que todas as galáxias tenham buracos negros supermassivos em seu centro, embora poucos continuem ativos – esse é o caso, por exemplo, da Via Láctea. Já o buraco negro “fotografado” pelo EHT é do tipo supermassivo e ativo. Tem 6,5 bilhões de vezes a massa do sol, e continua capturando matéria. Por isso, no jargão astronômico, é classificado como núcleo galáctico ativo, ou simplesmente AGN – sigla em inglês para active galactic nucleus. Os AGNs são importantes objetos de estudo na astrofísica, pois os cientistas querem entender qual é o papel que desempenham na formação das estrelas e das próprias galáxias que os hospedam, por meio de processos como radiação, ventos e jatos.

BAH Liderado pelo professor Rogemar André Riffel, do Departamento de Física da UFSM, o projeto aprovado pelo Alma intitula-se “Explorando a fase fria dos outflows em galáxias próximas com núcleos ativos” (Exploring the missing phase of outflows in nearby active galactic nuclei). Serão cinco as galáxias estudadas: NGC 5695, a 212 milhões de anos-luz; NGC 3884, a 349 milhões de anos-luz; NGC 1048A, a 534 milhões de anos-luz; UGC 8782, a 662 milhões de anos-luz; CGCG 012-070, a 711 milhões de anos-luz. O Grupo de Astrofísica também já havia observado algumas dessas galáxias em projetos anteriores, através dos telescópios Gemini (localizados no Chile e no Havaí) e do Telescópio Espacial James Webb.

Em 2022, o EHT divulgou a imagem de outro buraco negro: o Sagittarius A*, localizado no centro da Via Láctea

O projeto aprovado pelo Alma dará continuidade à pesquisa realizada por meio do Telescópio James Webb, na qual o grupo buscava mapear a cinemática da ejeção de gases moleculares (outflows) mornos e quentes produzidos na região interna de galáxias ativas. Agora estará em foco a radiação emitida por nuvens de gases frios produzidas pelos outflows. Essas informações permitirão “estudar com detalhes regiões onde estrelas estão se formando e investigar como o gás se comporta em diferentes ambientes do Universo”, informa o Grupo de Astrofísica da UFSM, em seu perfil no Instagram.

Mais especificamente, serão observadas através do Alma transições de energia do monóxido de carbono (CO) e do monossulfeto de carbono (CS). Ambos os elementos se encontram na faixa de comprimento de onda entre 1,2 e 1,3 milímetro. Ao todo, o projeto da UFSM terá 7,5 horas de observação pelo observatório Alma, cujo 12º ciclo começa em 1º de outubro e tem encerramento previsto para 30 de setembro de 2026. A taxa de aprovação para esse ciclo foi de uma a cada sete propostas enviadas.

Participantes – Além do professor Rogemar, também fazem parte do projeto aprovado os seguintes pesquisadores: Luis Colina Robledo e Ismael García-Bernete, ambos do Centro de Astrobiología (CAB), da Espanha; Marina Bianchin, doutora em Física pela UFSM, que agora está no Instituto de Astrofísica de Canarias (IAC), da Espanha; Thaisa Storchi Bergmann e Rogério Riffel, ambos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs); Miguel Pereira Santaella, do Instituto de Física Fundamental (Csic), da Espanha; Nadia Zakamska, da Johns Hopkins University, dos EUA.

Pela UFSM, participam ainda quatro pós-graduandos em Física: Maitê Silvana de Zorzi de Mellos (mestranda), Gabriel Luan Souza de Oliveira (doutorando), José Henrique Costa Pinto Souza (doutorando) e Lucas Ramos Vieira (doutorando), o qual também é professor do Instituto Federal Catarinense (Campus Concórdia).

Texto: Lucas Casali

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