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UFSM lidera discussões na América Latina sobre os riscos da proliferação de armas nucleares 

Enquanto o mundo acompanha com preocupação o conflito entre Rússia e Ucrânia, que amplia a tensão de uma guerra nuclear, a UFSM torna-se peça central do recém-criado Grupo Pugwash/América Latina, que tem como finalidade alertar a sociedade para os perigos da proliferação de armas nucleares e incentivar os líderes mundiais a buscar soluções pacíficas e diplomáticas para os conflitos entre as nações.

Com um reconhecido histórico não só em estudos sobre defesa, mas também de engajamento em assuntos e projetos de interesse latino-americano, a UFSM passa a ser o hub estratégico do grupo. “O objetivo é criar e operacionalizar projetos e programas que visem aumentar o nível de conscientização social sobre os perigos representados pelos arsenais nucleares existentes, construindo interesse público suficiente para pressionar os atores governamentais na criação de políticas públicas na direção da paz e entendimento entre as nações. O encaminhamento de soluções para esses desafios certamente envolve instâncias de governo, instituições e sociedade civil da região”, explica o professor aposentado do Centro de Tecnologia (CT) da UFSM Odilon Marcuzzo do Canto, que está envolvido com o projeto, juntamente com a Secretaria de Apoio Internacional (SAI) da Universidade.

“A UFSM apoiará na articulação regional e com parceiros interessados globalmente com os temas da energia nuclear e das armas nucleares”, complementa o assessor do Gabinete do Reitor na SAI, Júlio César Cossio Rodriguez. Áreas como Relações Internacionais, Direito Internacional, Engenharias e todas as Ciências Naturais e Exatas, especialmente, além de todas as outras, poderão adotar os temas centrais do Pugwash/AL como objeto de estudos e pesquisas acadêmicas.

Experiência e comprometimento

Júlio lembra que a UFSM tem expertise no tema, já tendo sediado as duas edições do evento “América do Sul na Era Nuclear”. A primeira edição, em 2018, foi coordenada por ele e por Odilon, e reuniu representantes de diversos países. A conferência de encerramento foi com o atual diretor-geral da Agência Atômica Internacional, Rafael Grossi. A segunda edição ocorreu de forma virtual, em novembro de 2021. A Pugwash, junto com a International Campaign to Abolish Nuclear Weapons (Ican), ambas ganhadoras do Nobel da Paz, foram parceiras importantes para o sucesso das edições do evento. 

“A UFSM, nos últimos anos, tem se destacado por abrigar este debate e protagonizar a discussão sobre as implicações para Ciência e Tecnologia de os países do sul global terem aberto mão de desenvolvimento de armamentos nucleares. Somos países pacíficos e desnuclearizados, mas que não podem ficar, por isto, sem investimentos para desenvolvimento de energia nuclear e seus derivados”, pontua Júlio.

Da mesma forma, desde sua criação, a UFSM sempre manteve estreitos vínculos com projetos envolvendo a América Latina. Odilon cita como exemplos a ativa participação da Instituição no Grupo Universitário Latino-Americano de Estudos para a Reforma e Aperfeiçoamento do Ensino (Gulerp), em 1965, sediando a Faculdade Interamericana de Educação, além de ser co-fundadora da Associação de Universidades do Grupo Montevidéu (AUGM). 

Reafirmando este compromisso e tradição, a UFSM passa agora a ser o hub do Grupo, centralizando discussões e estudos. “Dentre as instituições públicas e privadas, certamente as universidades, pela própria missão, são atores importantes nesse enfrentamento”, destaca Odilon, que é engenheiro nuclear e está envolvido em assuntos de não proliferação e abolição total dos arsenais nucleares desde 2007, quando assumiu a Secretaria Geral da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares (ABACC).

Internacionalização
 
Ser peça central do Pugwash/AL será fundamental para a internacionalização da UFSM, pois a coloca no centro do debate sobre energia nuclear na região, “atraindo os olhos do mundo para o que fazemos bem”, como observa Júlio. “Se pudermos, coletivamente e institucionalmente, em parceria com a Pugwash, agirmos para que os países do sul global sirvam de modelo de desnuclearização, no momento mais nuclearmente perigoso depois da Crise dos Mísseis, e que consigam, por defenderem a paz, retomarem de organismos internacionais suas capacidades de pesquisa e desenvolvimento, a UFSM será central não apenas na pesquisa e inovação, mas na promoção da paz”, complementa o assessor da SAI.
 
Conflito na Ucrânia
 
O Grupo Pugwash/AL foi lançado por cientistas, ex-diplomatas e professores de Relações Internacionais de sete países latino-americanos (Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, México e Uruguai), que se reuniram virtualmente em 29 de março passado, depois de um longo período de discussões. O momento não poderia ser mais propício, devido à tensão criada pelo conflito entre Rússia e Ucrânia. 
 
Para Odilon, a elevação da consciência de perigo, quando há ações armadas envolvendo potências nucleares, cria um ambiente propício para o engajamento de mais pessoas nesse tipo de movimento. “No momento em que essas percepções ficam aguçadas pelos acontecimentos na Ucrânia, é importante que a sociedade se posicione, exigindo ações e posturas coerentes de seus governantes”, ressalta.
 
Ele lembra que a América Latina tem uma história de dedicação ao desarmamento e à não proliferação de armas nucleares. Foi primeira região do planeta a se declarar Zona Livre de Armas Nucleares (ZLAN) pela assinatura do Tratado de Tlatelolco, no México, em 1967. Agora, com o Pugwash/AL, terá um fórum permanente de debates, que impulsionará projetos visando à conscientização pública sobre o tema.
 
Conferências Pugwash
 
O movimento internacional Conferências Pugwash sobre Ciência e Negócios Mundiais foi criado a partir do Manifesto Russel-Einstein, publicado no dia 9 de julho de 1955, meses após a morte de Einstein. O documento foi encabeçado pelo matemático e filósofo inglês Bertrand Russel e pelo físico britânico Jozef Roblat. Foi assinado por mais de uma dezena de cientistas e intelectuais, chamando a atenção para os perigos da proliferação das armas nucleares e incentivando os líderes mundiais a buscar soluções pacíficas e diplomáticas para os conflitos entre as nações. Os ideais de paz e entendimento entre as nações, defendidos pelo movimento, serviram de inspiração para a criação de grupos nacionais, que atualmente passam de 30.
 
A consciência dos perigos de destruição da vida no Planeta, por uso decidido ou acidental da enorme quantidade de ogivas nucleares em posição de operação nos arsenais das nações nuclearmente armadas, esteve sempre presente no dia a dia da humanidade nos últimos 77 anos. Essa percepção tem variado de intensa a muito intensa, conforme retratada no Relógio do Apocalipse (Doomsday Clock), criado pelo Comitê do Boulletim of the Atomic Scientists, da Universidade de Chicago. 
 

Texto: Ricardo Bonfanti, jornalista da Agência de Notícias

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