Desde o mês de junho, um radar meteorológico passou a fazer parte da UFSM. Após dois meses a caminho do Brasil, o equipamento, que tem como finalidade o estudo de nuvens, chuva e ventos na região centro do Rio Grande do Sul, foi instalado na Área Nova do Colégio Politécnico.
Tecnologia de impacto
Situada em uma área de latitude média, ou seja, compreendida entre o Trópico de Capricórnio e o Círculo Polar Antártico, a região sul do Brasil está em um local considerado único no mundo para fenômenos meteorológicos, possuindo uma das maiores atividades meteorológicas da américas. Vagner Anabor, professor do Programa de Pós-Graduação em Meteorologia da UFSM, explica que essa localização específica faz com que tenhamos fenômenos meteorológicos interessantes em todas as estações do ano, o que torna os estudos sobre o tema realizados aqui ainda mais relevantes.
Para contribuir com a pesquisa, o radar D3SR foi instalado na Área Nova do Colégio Politécnico, um dos pontos mais altos da Universidade, permitindo a detecção, monitoramento e medição de hidrometeoros, ou seja, chuva, granizo, neve e nuvens, em um raio de até 100km a partir de seu ponto base. Dessa forma, pode fazer medições precisas em uma distância que abrange toda a Quarta Colônia e cidades como São Pedro do Sul, São Vicente do Sul, São Gabriel, São Sepé, Caçapava do Sul, Cachoeira do Sul, Sobradinho, Júlio de Castilhos e Tupanciretã.
Vagner explica que o equipamento funciona como uma espécie de tomógrafo, que gera imagens de alta resolução do interior de nuvens, possibilitando enxergar dentro delas para identificar de que tipo de substância ela é formada: água líquida, granizo ou neve, por exemplo. Na prática, o novo radar poderá contribuir com previsões do tempo mais precisas, permitindo conhecer o comportamento de sistemas precipitantes a longo prazo. Os resultados dessas análises têm impacto direto para a agricultura, geração de energia e disponibilidade de água para recursos humanos e animais. Também, através do equipamento, é possível estudar o impacto das partículas vindas das queimadas da amazônia nas mudanças climáticas gaúchas, especialmente no setor da agricultura. Com ele, também será possível identificar fenômenos únicos que nunca foram identificados, pois é a primeira vez na história que existe um radar com essas características na região sul do Brasil, complementa Anabor.
Veja como funciona o radar na matéria produzida pela TV Campus:
Por dentro do funcionamento do radar
Vagner Anabor explica que os radares de nuvens são um tipo de equipamento de sensoriamento remoto de sensor ativo. Ou seja, ele emite ondas eletromagnéticas e recebe um sinal de retorno, permitindo, assim, identificar características do objeto detectado e também sua velocidade.
Pesando aproximadamente 7 toneladas e com dimensões relativamente pequenas para um equipamento deste porte, o docente responsável explica que o sistema do equipamento é moderno e ultra avançado, o que permite medições qualificadas. “Ele possui um novo sistema de transmissão de estado sólido e eletrônica moderna, tornando-se um equipamento compacto e de baixa potência elétrica, apenas 6kW, muito menor do que os antigos radares meteorológicos”, ressalta o professor.
Além disso, para que faça as medições adequadas, utiliza duas faixas, ou bandas do espectro eletromagnético: a banda X com frequência de 9,5GHz e comprimento de onda λ~3cm e a banda Ka, com frequência de 35GHz e comprimento de onda λ~8,5mm. Ambas são emitidas simultaneamente e possuem dupla polarização. Isso quer dizer que as ondas eletromagnéticas emitidas são polarizadas horizontal e verticalmente, permitindo medidas precisas sobre as características físicas dos hidrometeoros. Essa varredura volumétrica permite entender a circulação em diferentes camadas da atmosfera.
Outra característica do equipamento é possuir um sistema de medição que utiliza o efeito Doppler. “Na escola aprendemos sobre este efeito e o principal exemplo utiliza ondas sonoras, quase sempre em um caso onde calcula-se a diferença de fase entre ondas sonoras de uma ambulância que se aproxima ou se afasta de um observador. A polícia também utiliza esta técnica direcionando seu radar e emitindo ondas eletromagnéticas para um veículo e detecta sua velocidade. Então esta é uma técnica comum que também é empregada na maioria dos radares meteorológicos modernos”, explica Anabor. No radar, o efeito Doppler se manifesta através da diferença de fase entre a onda eletromagnética emitida e refletida pelos hidrometeoros em direção a antena. Assim é possível estimar a velocidade de gotas, granizo, ou outras partículas carregadas pelo vento, ou seja, a própria velocidade do vento, complementa o coordenador.
Inovação na meteorologia
O equipamento instalado na UFSM é o primeiro radar de dupla polarização do mundo fazendo estimativas em dual band X/Ka. Estudos como os que agora poderão ser feitos na Universidade só existem em outros cinco locais: Amazônia, São Paulo, Bolívia, Ilha da Reunião, na França e África do Sul.
O coordenador do projeto entende que esta é uma oportunidade única para a Universidade e até para o Brasil, já que é um equipamento de alta tecnologia que não está disponível em outras instituições. “É um projeto pioneiro, pois constitui-se em um experimento observacional de nuvens de longa duração, que ficará permanentemente instalado na UFSM. Nossos alunos terão um know-how que vai permitir que trabalhem nos melhores centros do mundo”, avalia o docente.
Além do radar, também foi instalado um sítio observacional; uma estação meteorológica completa, capaz de medir temperatura, umidade, vento, pressão e precipitação; um sensor de perturbações no campo elétrico da atmosfera; além de um disdrômetro, equipamento que permite medir tamanho, forma, velocidade e concentração de gotas de chuva no solo. Esse conjunto de equipamentos permitirá estudos de nuvens, atividade elétrica na atmosfera, ventos e circulações locais com altíssima resolução e precisão, fornecendo dados únicos para as atividades de pesquisa em previsão de tempo e clima na UFSM. “Com estes dados poderemos compreender, por exemplo, fenômenos como os intensos nevoeiros da região, sistemas precipitantes e os impactos dos aerossóis vindos de queimadas na Amazônia sobre os sistemas meteorológicos precipitantes e nuvens na região Sul do Brasil, tanto na sua intensidade como distribuição espacial”, finaliza Anabor.
Parceria promissora
A instalação do radar aconteceu por meio de uma parceria entre Brasil e China, através de um acordo de cooperação internacional entre a UFSM, por intermédio da Coordenação Espacial do Sul do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (COESU/INPE), e o Instituto de Física Atmosférica (do inglês Institute of Atmospheric Physics – IAP) e o Centro Nacional de Ciências Espaciais (do inglês National Space Science Center – NSSC), ambos da Academia Chinesa de Ciências (do inglês Chinese Academy of Sciences – CAS). O objetivo é que os estudos com o equipamento sejam feitos por, pelo menos, 5 anos na região. No entanto, a expectativa é que a parceria se estenda por mais tempo.
Na UFSM, o projeto é coordenado por Vagner Anabor, docente do Programa de Pós-Graduação em Meteorologia e integrante do Grupo de Modelagem Atmosférica. Do lado chinês, é encabeçado pelos pesquisadores Yongheng Bi, coordenador, e Yinan Wang, ambos do IAP/CAS e por Liu Zhengkuan, diretor do China-Brazil Joint Laboratory for Space Weather do NSSC/CAS.
O radar tem custo de um milhão e meio de dólares e foi financiado pela Academia Chinesa de Ciências. A contrapartida da UFSM é de infraestrutura, apoio científico e pessoal docente e discente que estão ativamente envolvidos durante este intercâmbio científico. O radar deve funcionar 24 horas por dia, durante os 7 dias da semana, por esse motivo, o trabalho é contínuo e ininterrupto, sendo necessário uma equipe fortemente envolvida com a iniciativa. Além disso, por meio da parceria, alunos de ambos locais poderão fazer imersões, resultando na troca de conhecimentos, já que alunos do Brasil irão à China e alunos da China também vêm ao Brasil.
Saiba mais
Em entrevista ao jornalista Gilson Piber, no programa Editoria 107.9, Vagner Anabor explica sobre o funcionamento do radar, importância da UFSM no cenário de cursos de meteorologia no Brasil e sobre outros projetos que estão em desenvolvimento, como a Rede Voluntária de Observadores de Tempestades.
Texto: Gabriela Leandro, acadêmica de jornalismo e Mariana Henriques, jornalista
Fotos: Ana Alicia Flores, acadêmica de desenho industrial
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