Outubro Rosa é conhecido pelas atividades de conscientização sobre a importância da prevenção do câncer de mama. Apesar de existirem diferentes tipos de corpos que sofrem ou podem sofrer com a doença, essas atividades têm como seu público-alvo apenas mulheres cisgênero. Por isso, a Liga Acadêmica de Saúde da Mulher da UFSM (LiASM) planejou uma campanha, chamada “Outubro+”, com o foco em conscientizar mais pessoas, além de mulheres cis, e dar mais visibilidade para a saúde de pessoas trans.
Inspirado em um ação promovida pelo médico estadunidense Ben Haseen, que se identifica como um homem trans, com o mesmo intuito de conscientizar a população trans de como realizar o autoteste, o projeto elaborou um card em que explica, passo a passo, como fazer o procedimento, através de texto e fotos. Além disso, o card acompanha um QR Code que encaminha para um vídeo que demonstra o autoteste em modelos trans.
A campanha contou com quatro homens trans como modelos. Assim, foi possível ter uma diversidade maior de corpos para representar como deve ser feito o autoexame. Para um dos modelos, Caio Machado Friedhein, participar do projeto foi algo gratificante. “Fazer parte de algo único e tão primordial para nossa saúde é no mínimo prazeroso, um gostinho de evolução”, relata.
Ivana Camargo Braga, integrante do LiASM e idealizadora do projeto, conta que a ideia surgiu quando se percebeu a falta de campanhas voltadas para esse público. “Tive um momento de clareza quando participei de palestras sobre câncer de mama em pessoas trans e percebi que não havia material gráfico ou científico disponível em português. Isso revelou uma necessidade urgente de abordar as questões de saúde que afetam a população trans de forma mais abrangente”, comenta.
O estudante de Engenharia Química e também modelo do projeto Tomas Kurkowski comenta sobre a importância do projeto: “Vai mostrar a realidade pra muitas pessoas, de que pessoas trans existem e de que somos iguais. Para mim, a coisa mais importante é que mais pessoas conheçam a minha comunidade, saibam que a gente existe e que passa pelas mesmas coisas que qualquer outra pessoa”.
Arthur Reis de Oliveira Tavares compartilha do mesmo sentimento. “Só de saber que tem gente que se importa com essa parte do Outubro Rosa, eu me sinto abraçado”, relata.
A campanha, além de ser organizada pelo LiASM e com a presença dos modelos, também teve a contribuição de três alunos dos cursos de Comunicação Social. Além disso, contou com o apoio da Casa Verônica, do Observatório de Direitos Humanos (ODH), da Prefeitura e do Ambulatório Transcender.
O lançamento da campanha ocorrerá dia 16 de outubro, às 16 horas, no Ambulatório Transcender.
Falta de acolhimento
A discussão em torno da saúde de pessoas trans tem evoluído e ganhado mais espaços, como alguns laboratórios pensados para atender pessoas trans. Para Caio, apesar dos avanços, ainda faltam questões para serem resolvidas.
“A maioria dos postos de saúde (UBS) não são capacitados para lidar com pessoas trans, e acabam mais ofendendo do que ajudando, e com isso, muitas pessoas vão desistindo de ir nas UBS. São poucas as que sabem nos tratar com respeito e compaixão, e essas poucas em grande parte são em ambulatórios trans”, comenta Tomas.
A falta de campanhas, falta de especialistas e a falta de acesso à saúde para pessoa trans é só mais uma forma de perpetuar a transfobia e continuar invisibilizando esses corpos. “Como profissional da saúde, vejo muito colegas e estudantes da saúde se negarem a realizar atendimentos e também aprofundar seus estudos na saúde de pessoas trans, e isso gera bastante preocupação, pois como defensora do SUS, percebo que a principal porta de entrada das pessoas nos serviços de saúde não está preparada suficiente para acolher todas as demandas específicas. Ou, por exemplo, sobre qual a necessidade de espaços qualificados para acompanhamento das demandas de pessoas trans. Em suma, vejo a saúde de pessoas trans invalidada e ignorada na maioria dos espaços”, relata Ivana.
Por isso, a importância de espaços como o Ambulatório Transcender de Santa Maria. Para que, dessa forma, essas pessoas possam se sentir acolhidas e possam ter seu acesso à saúde garantido.
Além disso, campanhas como a que foi organizada pelo LiASM se tornam importantes para dar visibilidade para essas pessoas. “Se fizermos parte do contexto sempre, se formos vistos como parte de cada campanha, por exemplo, deixamos de ser conhecidos como estatísticas e mais ainda, nos sentiremos acolhidos de verdade, assim como fomos no projeto”, exemplifica Caio.
“À medida que trabalhamos para tornar a saúde mais afirmativa para todas as identidades de gênero, estamos construindo um ambiente mais inclusivo e sensível. Além disso, espero que nossa iniciativa inspire outras áreas a fazerem mais para garantir que ninguém seja excluído das conversas sobre saúde. A cada passo que damos, estamos contribuindo para um futuro mais inclusivo e igualitário no campo da saúde”, conta Ivana.
Texto: Gabriel Escobar da Silva, acadêmico de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista
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