Promover ações artísticas feitas por e para todos os tipos de corpos é a missão da equipe do “DiVerso: um programa de arte acessível”. Promovida pelo curso de Dança – Licenciatura da UFSM, a iniciativa tem como meta estabelecer, a longo prazo e de maneira contínua, uma variedade de atividades de inclusão e acessibilidade para pessoas com e sem deficiência.
As idealizadoras do projeto são a técnica-administrativa em educação da Biblioteca Setorial do Centro de Educação, Fernanda Taschetto, e a professora do Departamento de Desportos Individuais do Centro de Educação Física, Mônica Borba. Uma das práticas ofertadas no segundo semestre de 2023 foram oficinas de dança e teatro, que aconteceram às sextas-feiras pela manhã, no prédio 40C do Centro de Artes e Letras (CAL), através de uma parceria com a docente Marcia Berselli, do Departamento de Artes Cênicas. Cerca de dez alunos foram contemplados.
Segundo Mônica, não há nenhuma limitação para interessados em participar. “A gente não tem nenhuma restrição. É só vir. Quem desejar aprender a dançar será muito bem-vindo, tanto da comunidade acadêmica, quanto geral. A proposta é de um grupo plural e que contemple diversas faixas etárias também”, declarou a coordenadora, que também é bailarina e pedagoga. Ela ainda destaca a importância de deixar explícito o quão livre a iniciativa busca ser. “Se a gente não disser que é para pessoas com deficiência, elas não se sentem convidadas a vir porque, historicamente, a dança, de um modo geral, renega esses corpos. Nós temos no nosso imaginário aquela bailarina clássica, de sapatilha de ponta, dentro de uma lógica que não contempla a diversidade. Mas não é só para pessoas com deficiência, é um projeto de Dança aberto a todas as pessoas interessadas. Pensamos, inclusive, tanto em quem está em cena, quanto em quem fruirá nossos trabalhos, sempre na perspectiva acessível”, afirmou a professora.
Todo início de semestre a equipe do DiVerso abre vagas nas oficinas para novos integrantes. Isso se dá uma vez que, a cada turma, o dia e horário de realização das atividades pode ser alterado. A divulgação ocorre através do perfil do programa nas redes sociais. Outras ações promovidas pelo grupo são anunciadas por meio do mesmo canal.
Um longo caminho já percorrido
A união entre as atuais coordenadoras aconteceu no ano de 2018, através de um curso de introdução à audiodescrição que estava sendo ofertado pela UFSM e era ministrado por várias pessoas, entre elas, Fernanda, que é uma pessoa com deficiência visual. A técnica-administrativa diz que não foi difícil para ambas se encontrarem: “quando se fala em acessibilidade e inclusão, as pessoas que têm os mesmos pensamentos e os mesmos objetivos acabam se encontrando, independente de onde exercem suas funções. Assim como em nosso caso, que atuamos em centros diferentes, mas temos interesses, compromissos sociais e objetivos comuns”.
Mônica explica, ainda, que a Universidade trabalha com questões envolvendo arte e acessibilidade há décadas. Um exemplo é a professora, agora aposentada, Mara Rubia Alves que, cerca de 25 anos atrás, foi “provocada” por uma aluna do curso de Fisioterapia a iniciar um trabalho de dança com pessoas com deficiência, que deu origem ao projeto chamado “Extremus”, que ofertava essas e outras atividades. A iniciativa foi inspiração para, futuramente, o DiVerso ser criado.
Segundo Mônica, ao longo do tempo o Extremus foi se adaptando e as maneiras como as atividades eram realizadas foram evoluindo. “A proposta foi mudando porque os estudos sobre as pessoas com deficiência foram se transformando com o passar dos anos, como a própria reivindicação desses indivíduos por seus direitos. A ideia deixou de ser uma dança sobre rodas pra ser uma dança em uma perspectiva inclusiva em uma dimensão mais ampla”, revelou Mônica.
O desejo de desenvolver arte acessível dentro da Universidade foi tanto que, mesmo quando se aposentou, em 2017, Mara seguiu atuando no projeto como voluntária, junto com Mônica, que havia ingressado há pouco na Instituição. “O Extremus foi o grande laboratório para eu trazer toda a minha formação como pedagoga e minha docência em dança e encontrar um caminho de possibilidade e potência artística”, explicou Mônica.
Em 2018, o grupo produziu um espetáculo de dança que marcou a história de Santa Maria por ter sido a primeira obra da vertente audiodescrita da cidade. A apresentação foi totalmente acessível, tanto no sentido dos corpos que estavam em cena, pela diversidade de faixas etárias e demais características, quanto em relação ao público. Também foi realizada interpretação em libras, teve o plano do espetáculo impresso em braille e, além disso, ocorreu uma visita guiada ao espaço cênico do Theatro Treze de Maio para o público com deficiência visual.
Depois do evento, já em 2019, Mara concluiu seu período como voluntária e, então, deixou o projeto. Mônica, dessa forma, afirma ter sentido a necessidade de ressignificar e ampliar o trabalho que já vinha sendo feito para além da dança – ainda que esta seja o carro-chefe. É assim que o DiVerso “entra em cena”, como se diz no mundo artístico. O programa, contudo, nasceu enquanto registro oficial apenas em 2022, em função da pandemia. Durante o período em que o mundo passava pelo distanciamento social, foi realizada a iniciativa “Encontros para dançar”, de forma remota.
A Universidade como ferramenta de apoio
Para a docente, a UFSM é um espaço de produção de conhecimento que deve ser democratizado e compartilhado com a comunidade. Nesta linha de raciocínio, Fernanda conta que, enquanto pessoa com deficiência, entende a importância que esse trabalho tem para a sociedade – até mesmo para pessoas sem deficiência –, porque o DiVerso é um programa que atinge e impacta a todos. Dessa forma, as co-coordenadoras também utilizam o programa para disseminar as noções acerca da acessibilidade em atividades como consultorias e cursos de capacitação.
“Eu sei como é difícil encontrar propostas que sejam voltadas às pessoas com deficiência. A gente desenvolve ações que façam com que outras pessoas recebam um pouquinho do conhecimento que temos. A partir disso, esperamos que outras pessoas entendam e apliquem esse conhecimento de como tornar um evento acessível, de como tornar uma aula de dança acessível, de como tornar uma imagem acessível, entre outros”, contou a técnica-administrativa, que complementou: “mas nós também seguimos aprendendo sempre”.
A UFSM, como instituição de ensino superior pública e de caráter extensionista, tem um grande papel no desenvolvimento de práticas acessíveis para a comunidade interna e externa. Fernanda revela que sempre teve a preocupação de que os estudantes que passam pela Universidade tivessem uma noção, embora mínima, acerca dessas questões. “Independente da área que eles atuarão mundo afora, esse aprendizado sempre é necessário”, explicou a servidora.
Uma das grandes metas do grupo é instituir um repositório virtual de imagens de dança audiodescritas, para ser acessado tanto por pesquisadores quanto por interessados pela área. A ideia é que estudantes, artistas e professores possam, da mesma forma, solicitar a tradução de fotos em palavras para ações didáticas, sem fins lucrativos. “O programa pode nos dar essa estrutura de tempo para, no futuro, nós termos isso tudo”, afirmou Mônica.
DiVerso acolhendo a comunidade
Maria Iria Engerroff e seu filho Braian Engerroff são alunos das oficinas do DiVerso. A mãe conta que soube da iniciativa ainda na época do Extremus através de uma apresentação do grupo, mas somente anos depois a família se envolveu, após o jovem, que gostou da proposta, se formar no ensino médio.
“Eu não fazia nem ideia de como era. No começo, eu confesso que eu fiquei tímida, porque era uma coisa nova mas, com o passar das aulas, eu fui me soltando e percebendo como é bom dançar e ser quem a gente é, indiferente das limitações”, declarou Maria Iria, que complementou: “na dança não tem certo ou errado, o corpo se expressa da forma que ele quer se expressar. Isso, para mim, é sempre muito marcante”.
Braian, que tem paralisia cerebral, expressou o que sente sobre poder participar das aulas. “Eu gosto de dançar. Quando eu estou dançando, eu me sinto feliz, me sinto alegre, me sinto bem. Eu tenho meus amigos da dança”, contou o jovem, que também afirmou se sentir orgulhoso de fazer parte das oficinas. A mãe ainda diz que o DiVerso abriu diferentes portas para a dupla, que, depois que começou a se envolver com as atividades, teve a oportunidade de estar em muitos outros eventos artísticos, seja sobre dança ou sobre teatro. “Eu só tenho a agradecer por esse projeto tão grandioso que entrou na nossa vida, com certeza, para ficar”, concluiu Maria Iria.
Texto: Pedro Pereira, estudante de jornalismo e voluntário da Agência de Notícias
Foto: Ana Alicia Flores, estudante de desenho industrial e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques, jornalista
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