Espalhar arte, cultura e educação patrimonial é o objetivo do projeto de extensão “Murais da UFSM: Interlocuções sobre Arte, Cultura e Patrimônio”, criado em abril de 2021 por Cristina Strohschoen dos Santos, arquivista e servidora da Instituição. Neste período, o projeto já alcançou mais de mil leitores por meio da publicação do seu catálogo e cerca de 150 alunos da rede pública através de suas oficinas.
Para 2023, entre as ações planejadas, o projeto pretende realizar uma oficina de arte surda na Escola Estadual Dr. Fernando Reinaldo Cóser, em Santa Maria, durante o Setembro Azul – mês de conscientização e divulgação da cultura e comunidade surda. Outra atividade prevista para este ano é promover um debate entre muralistas que realizaram obras na UFSM e produzir um registro audiovisual sobre o muralismo na Universidade.
Início da trajetória
O primeiro passo para o surgimento do projeto ocorreu durante a Jornada Acadêmica Integrada de 2018, quando o pró-reitor de Extensão, Flavi Lisboa Filho, sugeriu que fosse realizada uma exposição sobre os murais da UFSM para a abertura do evento. A exposição organizada por Cristina mostrou 21 murais existentes na Universidade.
Dentro da UFSM, a exposição passou pelo hall da reitoria, Biblioteca Central, Centro de Educação, Hospital Universitário e Colégio Politécnico. Em Santa Maria, ela foi atração no Shopping Monet, no Arquivo Histórico Municipal de Santa Maria e na Feira do Livro de 2019, além de ter passado pelo campus da UFSM em Frederico Westphalen.
Após o bom resultado da exposição, o pró-reitor sugeriu a produção de um catálogo sobre as obras expostas. Cristina então pensou em utilizar o catálogo como material didático para realizar um projeto de extensão sobre patrimônio cultural nas escolas públicas de Santa Maria. Assim nasceu o projeto Murais. “Podemos trabalhar de formas criativas a preservação do patrimônio cultural. Neste projeto relacionamos o patrimônio documental ao patrimônio artístico por meio de registros fotográficos desses murais. Cada mural foi pintado num contexto, e esse contexto já é história da universidade”, destaca Cristina.
Catálogo Murais traz obras atuais e perdidas na história da UFSM
A servidora da UFSM também coordenou a produção do catálogo. Durante o primeiro ano do projeto, foi realizado o levantamento de dados sobre os murais e a elaboração das biografias dos seus autores. O “Catálogo Murais da UFSM 1971-2021” trouxe 33 murais pintados na universidade desde 1971, data do primeiro mural, pintado no Planetário da UFSM e contou com 12 obras que não estavam no acervo na exposição realizada em 2018.
A publicação, além de exibir as obras, traça uma linha do tempo sobre o surgimento de cada uma. Na década de 1970 foram pintados oito murais, na década de 1980 um, seis na década de 1990 e 15 a partir dos anos 2000, além de dois murais com datas desconhecidas. Os 36 muralistas envolvidos na obra têm suas biografias registradas na publicação.
Três dos murais presentes nos catálogos foram destruídos por conta de reformas realizadas na universidade, como mostra o catálogo na seção “Arte Perdida”. São eles: Ícaro, o Mural do Hospital Veterinário (sem título) e o Reino Fabuloso da Mata Atlântica.
Saiba mais sobre a história deles:
ÍCARO – Foi pintado em 1977 pelo uruguaio Silvestre Peciar no Restaurante Universitário da UFSM. O painel fazia uma alusão velada aos dez anos da morte de Che Guevara na Bolívia. Ícaro foi uma metáfora para representar sobre o revolucionário argentino durante a Ditadura Militar por conta da sua simbologia: busca de liberdade, enfrentamento do desconhecido e inconformismo idealista.
Peciar fugiu de seu país durante a ditadura militar uruguaia (1973-1985) e se estabeleceu em Santa Maria, RS, como professor do curso de Artes Visuais (CAL/UFSM). O painel foi destruído em 17 de julho de 1995.
MURAL DO HOSPITAL VETERINÁRIO – Em 2004, foi registrado um projeto de pintura mural no saguão do Hospital Veterinário da UFSM, sob coordenação de Alfonso Benetti, com participação dos acadêmicos Ana Cláudia Machado Paim, Franciele Filipini dos Santos, Lací Cecília Seibert e Patrícia Vaz Pereira.
O mural tinha como propósito a dinamização visual e o enriquecimento estético do espaço, em uma possibilidade de integração da arte com a arquitetura. O mural foi destruído durante reformas no Hospital Veterinário, em data incerta.
REINO FABULOSO DA MATA ATLÂNTICA – Em 2010, o professor Altamir Moreira produziu um mural com temática infantil nas paredes do jardim interno do Pronto Atendimento Pediátrico. Participaram da pintura o acadêmico Maurício Reindolff Dotto, seu orientando, e os acadêmicos Romulo Eisinger e Cesar Machado, orientandos do professor Alfonso Benetti. Moreira explorou um tema de fantasia infantil baseado na flora e fauna da Mata Atlântica, em um estilo semelhante àquele utilizado em histórias em quadrinhos.
A fauna foi representada pelo tamanduá- bandeira, tucano, papagaio, rato-do-mato, onça parda, serelepe, tapeti, lobo-guará e capivara. E estavam presentes na flora a pitanga, pinheiro-brasileiro, cipó-corda-de-viola, helicônia, taquara, jerivá e cipó-de-São-João. Uma área do mural possuía um quadro verde para que as crianças pudessem desenhar com giz. O mural foi destruído durante reformas de ampliação no HUSM. As fotos são do arquivo pessoal de Altamir Moreira e mostram parte do trabalho realizado.
Espalhar e criar arte para além do arco
Entre 29 de setembro a 21 de novembro de 2022, o projeto de extensão realizou três oficinas de muralismo nas Escolas Municipais de Ensino Fundamental Maria Lourdes de Castro e Dom Luiz Victor Sartori, além do Colégio Estadual Manoel Ribas. Durante os encontros, Cristina e a artista plástica Cirlene Ereno explicaram o que é muralismo e obras deste tipo que existem em Santa Maria, além de falarem sobre a conservação dos patrimônios históricos.
Nestas atividades foram utilizados negativos fotográficos de cada um dos murais e o catálogo produzido por Cristina em 2021. As oficinas também contaram com a participação dos artistas visuais Juan Amoretti e Altamir Moreira que ministraram palestras sobre o muralismo. O objetivo era ensinar e aprender sobre o tema na teoria e na prática. Assim, cada uma das escolas iria produzir um mural com uma temática escolhida pelos alunos. Antes de partirem para as paredes das escolas, Cirlene ministrou atividades de desenho e concepção artística em sala de aula.
O primeiro mural a ser finalizado foi o da escola Dom Luiz Victor Sartori, no dia 15 de dezembro. A turma do sétimo ano escolheu o tema “Etnias” para retratar o seu mural. No dia seguinte (16) foram inaugurados os murais da escola Maria de Lourdes Castro, também feito por alunos do sétimo ano com o tema “Primavera”. No colégio Manoel Ribas, também conhecido como “Maneco”, cinco turmas do ensino médio se reuniram para produzirem o mural intitulado “Prazer, profundidade, coletividade dos corais, introspecção e busca”.
Para a artista plástica que leciona há mais de 20 anos, o ambiente da sala de aula passou longe de ser um desafio. “Eu gosto de ensinar e sempre desenvolvo projetos onde possa estar com estudantes pois aprendo muito com eles e eles sempre me incentivam a aprender e estar em movimento com as perguntas que eles trazem”, conta. Cirlene afirma que atuar de forma voluntária nesses ambientes de aprendizagem além de trazer ensinamentos para si própria, também é uma forma de retornar para a sociedade tudo que aprendeu enquanto estudava na UFSM.
Tanto a artista plástica quanto a arquivista enxergam o projeto de extensão como uma forma de incentivar a valorização e a democratização da arte na prática e na teoria. “ Eu acredito que os programas de extensão e os projetos auxiliam a sociedade a suprir necessidades e resolver problemas. A academia proporciona pesquisa e trocas de experiências muito importantes para os envolvidos”, afirma Cirlene. “A arte é um direito de todos, creio que a universidade tem o know how necessário para difundir a todas as classes sociais, inclusive as menos favorecidas”, completa Cristina.
Os alunos não só recebem esse aprendizado, como se tornam agentes dessa transformação, ao deixar a sua marca em suas escolas que estará ali para ser vista e servir como inspiração para toda a comunidade escolar. Pois como disse o artista Silvestre Peciar, o mural não fica para os alunos, “[ele] adquire uma existência pública. O mural fica para a gente, que passa, que habita”.
Murais finalizados das escolas Dom Luiz Victor Sartori, Maria Lourdes de Castro e do Colégio Manoel Ribas
Veja mais:
Texto e fotos: Bernardo Silva, estudante de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Arte: Lucas Zanella, Unicom
Edição: Mariana Henriques, jornalista
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