Ticker

6/recent/ticker-posts

Ad Code

Responsive Advertisement

Enchentes e desastres naturais: dissertação de mestrado da UFSM auxilia na previsão e estimula o preparo para novas ocorrências

Ao longo de setembro e também em outubro, o Rio Grande do Sul vem acompanhando os desastres causados em diversas cidades do estado por conta de enchentes pouco antes vistas na história local. Infelizmente, pesquisas apontam que eventos catastróficos como estes se tornarão comuns com o passar do tempo, despertando na sociedade, além de medo, uma preocupação: como estabelecer formas de conviver com enchentes, sem que pessoas morram e cidades inteiras sejam destruídas a cada nova inundação? Na tentativa de responder a essa questão, uma dissertação de mestrado da UFSM buscou desenvolver um modelo de data science capaz de prever com maior eficácia a ocorrência de enchentes.

Atualmente, já existem sensores que realizam o monitoramento de rios e chuvas em variadas localidades, por meio de órgãos públicos como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e a Defesa Civil, conforme explica o mestre em Gestão de Organizações Públicas e autor da dissertação ‘’desenvolvimento de um modelo data science para prevenção de enchentes’’, Daniel de Barcelos.

Nesse sentido, é possível saber se choverá acima do esperado para determinada época do ano com até três dias de antecedência, se houver as estruturas e equipes adequadas para desempenhar essa análise, o que geralmente não acontece. Inclusive, o docente em Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento da Universidade Estadual Paulista (UNESP) Edson Piroli expõe que, no caso das cheias de Muçum, Roca Sales e Lajeado, era presumível a ocorrência de uma enchente horas antes de ela se efetuar, devido ao alto volume de chuva e a notificação de outras cidades que já haviam registrado estragos. “Neste caso, faltou um sistema de alerta eficiente para que as pessoas deixassem todas as áreas de risco em que estavam’’, relata Piroli.

Somada à esta observação, o docente em Meteorologia da UFSM Vagner Anabor comenta que indicadores climáticos de 2022 apontavam para a ocorrência de um El Niño potente, fenômeno que aumenta a quantidade de chuvas no sul do Brasil, para o segundo semestre de 2023, demonstrando que a ciência possui a competência de prever esse tipo de evento, mas a sociedade como um todo ainda não tem a capacidade de lidar com eventos climáticos desastrosos como os ocorridos durante setembro.

Então é possível impedir novas enchentes?

Infelizmente não, haja vista que inundações são processos naturais de acontecer com qualquer rio do planeta, com sua grandiosidade variando de acordo com o tamanho do próprio rio. O grande problema é que enchentes não deveriam provocar as destruições que têm sido registradas recentemente. Porém, com as ocupações de áreas próximas aos cursos d’água, se torna inevitável a ocorrência de desastres. Isso porque as construções ocupam regiões que, naturalmente, são alagadas em períodos de cheia, e as interferências nos solos provocam impermeabilidade da água da chuva. 

Contudo, vale destacar que, apesar de ser um processo natural, a quantidade de inundações tem aumentado nos últimos anos, justamente em consequência de um processo de ocupação urbana acelerada, sem planejamento prévio nem fiscalização de infraestrutura. Segundo dados apresentados na dissertação de Daniel de Barcelos, “o registro de inundações, enxurradas e alagamentos quase triplicou no Brasil no período de 2002 a 2012 em relação ao intervalo anterior, chegando a 9.712 ocorrências, contra 3.522 registradas entre 1991 e 2001’’. Para se ter uma ideia, Anabor cita os números ligados às chuvas de setembro no RS: apenas na primeira quinzena do mês, os volumes acumulados de chuva foram duas ou até três vezes maiores que o esperado para o período no estado. A estimativa de precipitação para a época é de 180 a 200 mm de chuva, mas em meio mês se alcançou 450mm. Em outubro, a situação segue preocupante.

Portanto, o que cabe à sociedade é estabelecer melhores formas de reagir aos alertas de possíveis enchentes e monitorar mais adequadamente o nível dos rios e as previsões de precipitação. É nesse sentido que o estudo do mestre em Gestão de Organizações Públicas desenvolveu um framework que auxilia no mapeamento de locais suscetíveis a enchentes, a partir de uma metodologia de design research e técnicas de data science, métodos que diferenciam este estudo dos demais já produzidos, conforme conta Barcelos.

No campo da computação, um framework “é um conjunto estruturado de conceitos, ferramentas e bibliotecas que fornecem uma base para o desenvolvimento de software, oferecendo uma estrutura que permite aos desenvolvedores criar aplicativos com mais facilidade, fornecendo abstrações’’, segundo informações da dissertação. Logo, é um dispositivo que colabora na realização de uma série de atividades que devem ser executadas para solucionar um problema de modo mais eficiente que os modelos de monitoramento atuais, no campo do acompanhamento de enchentes.

Conforme explica o acadêmico, o sistema funciona através de um algoritmo que aprende a fazer o monitoramento dos níveis de chuva e dos rios por meio dos dados fornecidos a ele, que, depois, são armazenados em uma planilha automaticamente, permitindo que o framework indique quando pode acontecer uma enchente em tempo real. 

Contudo, Barcelos não sabe informar, até o momento, com quanta antecedência o dispositivo é capaz de prever uma inundação, visto que o trabalho acadêmico só pôde utilizar dados antigos. Mas ele informa que, com os próximos avanços do framework, entraves como este devem ser resolvidos.

O autor da dissertação indica já estar em contato com algumas prefeituras, tanto do Rio Grande do Sul, quanto de Santa Catarina, para aprofundar os estudos com dados mais recentes e, assim, aprimorar a inteligência do algoritmo para o colocar em prática efetivamente.

Como amenizar o problema?

Se não é possível impedir que uma enchente ocorra, os estudiosos propõem medidas que possibilitem um convívio menos desastroso com ela. Quem explica em mais detalhes quais ações adotar é o professor aposentado da UFSM, que atuava principalmente com Educação Ambiental e na área de Recursos Florestais e Meio Ambiente, José Serra. Segundo ele, primeiramente, seria necessário desentupir o fundo dos rios nos locais em que o leito costuma subir, a partir da identificação dos pontos de estrangulamento (áreas mais rasas com muitos resíduos no fundo), onde as enchentes tendem a invadir mais o território, já que a água corre pelas laterais do rio devido a sua falta de profundidade. Assim, essas regiões, que geralmente inundam, demorariam mais tempo para encher da mesma maneira que antes da limpeza.

Já pensando a longo prazo, o que Rocha sugere é que seja feito o plantio de árvores nas “coroas’’ de proteção de nascentes (regiões mais elevadas do percurso do leito), com o intuito de que a água infiltre no lençol freático, fazendo com que a água atinja o fundo do rio e, consequentemente, remova o depósito de dejetos dele, tornando-o limpo seguindo a mesma lógica que uma calha no telhado de casa, conforme analogia usada pelo docente. Tal providência não é algo inovador nem novidade, contudo o especialista afirma que a medida não é feita por conta do seu custo elevado e pela demora de, em média, cinco anos para que os resultados apareçam.

Outra medida imprescindível para que haja o controle em torno da situação dos rios é o manejo integrado de bacias hidrográficas, monitorando os solos, as florestas, as pastagens e o direcionamento das águas ligadas às bacias, por meio da coordenação de um comitê permanente. Deste modo, é possível reduzir o escoamento superficial e retardar inundações, além de mapear áreas de risco e impedir que sejam ocupadas.

Todavia, tais medidas devem ser tomadas junto ao acompanhamento dos sensores de monitoramento, como o framework desenvolvido por Daniel de Barcelos, realmente levando em consideração esses dados, o que para Edson Piroli só se efetivará se for criada uma cultura de convívio com condições ambientais extremas, reconhecendo os limites que a natureza oferece. Nessa lógica, o primeiro passo a ser tomado é reconhecer quais são as áreas suscetíveis a enchentes, a fim de estabelecer formas de reduzir prejuízos quando uma inundação acontecer nessas regiões, já que é difícil tornar viável a desocupação de tais localidades onde não deveriam haver moradias, comércios e demais ocupações permanentes.

Somado a isso, Piroli indica ser preciso educar a população sobre os perigos de residir em localidades suscetíveis a enchentes e sobre como proceder em uma situação de risco. ‘’Para onde ir? O que levar? Por qual caminho ir? Que estrutura haverá no local, e assim por diante. [Fornecer essas informações] é papel da Defesa Civil, dos bombeiros e do Estado, que precisa ter uma rede robusta de previsão de tempo integrada com monitoramento da distribuição das chuvas e dos efeitos destas nos rios de cada grande bacia do seu território. Esta rede precisa contar com equipes de especialistas capacitados e treinados. Tanto para as ações técnicas, quanto para as ações junto à população, preparando-a para episódios extremos’’, reforça o docente da UNESP.

Enquanto não são tomadas providências para que se reduzam os riscos de novas enchentes, resta ajudar as cidades que ainda sofrem as consequências das inundações de setembro. Para se voluntariar ou fazer alguma doação, entre em contato com a Pró-Reitoria de Extensão (PRE), por meio da Coordenadoria de Desenvolvimento Regional e Cidadania, por meio do e-mail coderc.pre@ufsm.br

Texto: Laurent Keller, acadêmica de Jornalismo e voluntária da Agência de Notícias
Infográfico: Daniel Michelon De Carli (foto de base: Agência Brasil – Defesa Civil do Ceará)

Arte capa: Daniel Michelon De Carli (foto da enchente: Agência Brasil – Fernando Mainardi-SEMA RS)
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista

Enregistrer un commentaire

0 Commentaires